processos
sem progressos
de dores
e rigores
parei
e não mais sobre tudo
me culpo
reparei
que, sobretudo,
é do corpo
antes oculto
que hoje me ocupo
(2020)
processos
sem progressos
de dores
e rigores
parei
e não mais sobre tudo
me culpo
reparei
que, sobretudo,
é do corpo
antes oculto
que hoje me ocupo
(2020)
debaixo dessa linha
ecoa
dor
(2015)
"-- Na verdade, caminho muito a vida, gosto muito de caminhar.
-- E você tem uma rotina de caminhar?
-- Não, o que eu gosto é de caminhar por isso que chamamos de rio-mar, andar à beira das águas, e assim economizo uma fortuna em psicanálise."
Ele também disse que cair e levantar é normal, mas há aqueles que não se levantam nunca: os mais sensíveis. Outros, filhos da puta, não têm uma glândula rara, a consciência, e vivem um monte, não morrem nunca. Pensar é ter angústia. Sentir é ter solidão.
São 4 imagens. Na primeira, apoiada na janela de um fusca, vejo uma criança assim bem pequena, como que um bebê que acaba de aprender a se equilibrar para andar. Tanto é que, na segunda cena, a criaturinha está em pé, com a porta do antigo carro aberta, em cima do banco do motorista, com o volante de três vezes mais o tamanho de sua cabeça. Depois, fora do automóvel, apenas ela, criança, servindo de modelo entre a paisagem de grades e janelas. Por fim, não um, mas dois fuscas encerram a sequência do filme fotográfico que encontrei anteontem, na Piauí, a caminho da Igreja que tem me feito companhia em tempos pandêmicos.
Olho para os retratos e, numa espécie de agradecimento, sorrio para a calçada que entregou a meus pés alguma inspiração para escrever: mas não mais poesias. E sobre isso dedicarei um parágrafo.
Por mais de uma década fui fiel à poesia. Tivemos bons momentos. Muitos, inclusive, diziam-me para levá-la adiante, para o mundo, para todos e cada um. Acontece que, com 10 anos de distância, enxergo a fantasia sobre mim que escrevi ali, junto dos versos e rimas e trocadilhos geniais. Uma fantasia sábia, romântica, profunda, que impedia o contato com alguma realidade de sabedoria, romance, profundidade. Agora, menos imersa nesse devaneio de mim mesma, escolho um jeito não tão enigmático e iludido para minhas palavras que, não, essas nunca poderei parar.
-- Você se tornará sadia completamente em algum momento da sua vida? -- me pergunta o último cara que conquistei com minhas poesias requentadas. Eu, que até recentemente era uma presa da criminosa ideia de perfeição, completude, totalidade e plenitude, sei que não. Tive que saber. Adoeci para saber. "É preciso aprender a não saber", como disse alguém.
Hoje, olho para a saúde do negativo, reconheço o benefício do ódio, reverencio a inveja e respeito o medo. Como uma pilha, minha energia não distingue os polos de mais e de menos, e precisa de ambos igualmente para existir. Exercito essa contemplação do horrível, tornando-o só um tanto estranho, e assim só um tanto diferente, e o diferente, sabemos, é necessário.
Talvez menos homens se apaixonem por mim, talvez eu mesma me apaixone menos assim, não poeta. Mas a poesia que desfruto nos ordinários de, por exemplo, tropeçar com uma criança no fusca, que a contraluz do sol me revela num pedaço de negativo, permanecerá irremovível.